Polícia diz que fará novos exames a partir de
segunda-feira (22).
CPI na Câmara dos Deputados indica cemitérios
clandestinos no Rio.
Entre 2000 e 2009, 213 ossadas foram
encontradas no Rio de Janeiro. Os dados da CPI de Exploração Sexual de Crianças
e Adolescentes da Câmara dos Deputados, concluída em junho de 2014, deixam mães
e parentes de crianças desaparecidas à espera de novas informações. Em meio ao
clamor por notícias, a Polícia Civil inaugura nesta segunda-feira (22) a
Delegacia de Paradeiro de Desaparecidos, ampliando a seção de Desaparecidos,
que já funcionava na Delegacia de Homicídios da capital. Entre as primeiras
ações, está prevista a realização de exames para comparar ossos achados com
material genético de familiares.
Quatro mães conversaram com o G1 sobre suas
histórias. Com casos de filhas desaparecidas entre 2001 e 2010, elas receberam
a confirmação da titular da nova delegacia, Elen Souto, de que serão chamadas
ainda nesta semana para testes de DNA. O objetivo é descobrir se a busca pelo
paradeiro das filhas terá um final. Entre os locais onde ossadas foram
encontradas, segundo a CPI, estão um terreno da Aeronáutica na Avenida Brasil e
um cemitério clandestino em Manguinhos, na Zona Norte da Cidade.
Raquel Gonçalves Cordeiro da Silva, de 43
anos, mãe de Larissa Gonçalves Santos, sequestrada no dia 31 de janeiro de 2008
aos 11 anos de idade, espera que a nova delegacia consiga trazer uma solução
para o caso. A filha foi sequestada dentro de casa na Barreira do Vasco, em São
Cristóvão. O sequestrador de Larissa, o oficial da Marinha Fernando Marinho de
Melo, de 57 anos, foi preso em janeiro de 2014, condenado a sete anos de
prisão, que está cumprindo em Bangu 8. Ele é apontado como o responsável pelo
desaparecimento de várias crianças nos últimos anos para exploração sexual.
Mesmo com o sequestrador preso, Raquel se
angustia em pensar o que pode ter acontecido com a filha. “Uma coisa é você
saber que morreu, não tem volta. Outra é não ter certeza de nada. Você cria
seus filhos, faz planos para eles, e de repente para para pensar que ela virou
um monte de ossos enterrados na lama. E como o sequestrador não diz onde o
corpo está?”, questiona.
Raquel espera que os exames de DNA comprovem
que uma das ossadas analisadas pela nova delegacia seja de Larissa. “Se for
isso mesmo, ele também será julgado por homicídio”, explica. “Tenho 43 anos,
mas me sinto como se tivesse com 100 anos de idade quando penso nisso. Tenho
que tomar remédios há 3 anos, meu filho não faz nada sozinho, minha família
ficou destruída. É assim que eu posso resumir minha vida desde então”, conta,
abatida.
Há a suspeita de que Fernando Marinho de Melo
também seja o responsável pelo desaparecimento de Thaís de Lima Barros, que
tinha 9 anos quando foi raptada da porta da casa de um parente, onde estava com
um primo, em 22 de dezembro de 2002, na Vila Kennedy, em Campo Grande, na Zona
Oeste. Segundo testemunhas, um homem foi visto atrás de uma árvore próxima ao
local, pouco antes de Thaís desaparecer. Quando a menina e o primo entraram em
casa, o homem fez o mesmo e a raptou.
“Quando eu cheguei, ela já tinha sido levada.
Muita gente que eu nunca tinha visto estava andando pelo bairro com uma foto da
minha filha, e aí eu comecei a ficar preocupada. Eu e meu marido começamos a
procurar, fizemos um registro na 34ª DP, mas pouco foi feito depois disso”,
relata a mãe, que desde 2005 espera para fazer um exame de DNA. “Preciso saber
o que houve com a minha filha, de qualquer forma.”
Traumas
A busca por notícias de um filho desaparecido
pode causar sérios danos psicológicos a quem passa por isso. Ingrid Vanessa
Cunha Pitanga, de 10 anos, estava levando o primo para a escola localizada na
Rua Nilópolis, em Realengo, na Zona Norte do Rio, na manhã do dia 6 de setembro
de 2001. A mãe, Elisangela Cunha Germano, contou que estava fazendo serviços de
manicure para uma cliente idosa e que encontraria a filha perto do colégio.
Quando não a viu, a primeira coisa que pensou foi que ela teria se acidentado e
sido encaminhada para o Hospital Albert Schweitzer, no mesmo bairro.
“Ela não era de sumir, não era de fazer isso.
Fui até o hospital, mas lá ela não estava. A ficha só caiu mesmo à noite, e a
família inteira chorou. O pior é que ninguém viu nada”, conta a mãe, que não
teve outros filhos depois dessa situação.
Após um surto, em 2008, seu psiquiatra pediu
sua aposentadoria em 2009. Ela se mantém sã atualmente à base de calmantes e
antidepressivos. O pior medo é que o fato se repita com outras crianças. “São
13 anos que espero por um novo exame, por notícias. E soube no último ano de
pelo menos três casos. Não quero nunca que outras pessoas passem pelo que eu
passei.”
Ainda na Zona Norte, em 2010, foi a vez de
Lenivanda Souza ser surpreendida pelo desaparecimento da filha Gisela Andrade
de Jesus, que tinha 8 anos. Estudante da Escola Municipal Bahia, na Avenida
Brasil, Gisela estava saindo do colégio no início da tarde do dia 25 de
fevereiro. Parou em um posto de gasolina para beber água, como sempre fazia
após as aulas. Pouco depois das 13h, no entanto, desapareceu.
Cemitérios
clandestinos
Lenivanda voltava do hospital, onde esperava
grávida por um exame. Quando chegou em casa e soube do que acontecera, passou
mal. Mesmo procurando exaustivamente nas favelas do da Maré, onde morava, nunca
se viu rastros de Gisela. Uma denúncia em novembro de 2013, no entanto, chamou
a atenção dela e de outras mães de desaparecidos.
“Soubemos que havia uma denúncia de cemitério
clandestino no Fundão, com várias ossadas. Já sabíamos que haviam recolhido ossadas
em um terreno na Avenida Brasil, mas essa denúncia nova fez com que pedíssemos
mais uma vez por DNA. Vamos ver se agora sai. Eu creio que minha filha possa
estar viva, mas não custa tentar fazer o exame”, diz, entre a angústia e a
esperança.
A Polícia Civil afirma que foi até o Fundão
para verificar a denúncia de um cemitério clandestino, mas que nada encontrou.
Apesar da síndrome do pânico adquirida após o
sequestro e os três anos tomando remédios controlados, Lenivanda segue a vida.
O que lhe dá forças é o filho Gabriel, de 4 anos, gerado em meio ao drama do
desaparecimento. “Ele que leva luz para a minha vida. Deus tirou ela da minha
vida, mas me deu ele”, conta ela.
Pedidos
da comissão
O texto da CPI, presidida pela deputada Erica
Kokay (PT) e com a deputada Liliam Sá (PR) como relatora, pede melhorias para o
assunto no Rio de Janeiro. Segundo o relatório final, o Rio possui um déficit
de 48 conselhos tutelares. De acordo com o Conselho Nacional de Direitos da
Criança e Adolescente (Conanda), a recomendação é de um Conselho Tutelar para
cada 100 mil habitantes. A decisão de fazer exames de DNA em ossadas
encontradas entre 2000 e 2009 foi feita após sugestão da CPI.
O relatório afirma ainda que é necessário
criar Varas da Infância e Juventude especializadas em crimes contra crianças e
adolescentes, “visto que as existentes não estão dando conta de todos os
processos, o que causa lentidão na tramitação e em consequência a impunidade”.