Paula Maciulevicius
Trinta e quatro anos. Dois nomes, duas datas
de nascimento, duas línguas e uma história de vida que se divide entre Brasil e
Bolívia. Hoje, o enredo do que parece drama de novela está todo em Terenos e
tem a luta, na Justiça Federal, pela
nacionalização de três crianças, para que Andreia possa viver o sonho de ser
filha.
No primeiro documento, ela é Silvia Andreia
Vargas Mercado. No segundo, Andreia Vargas Mercado. Nascida em agosto,
registrada em janeiro. Uma mulher, hoje mãe, com duas identidades que trocou a
vida que tinha no país vizinho para reencontrar o pai em Mato Grosso do Sul. O
sonho que era só dela, passou a ser de toda família, mas hoje esbarra na
burocracia.
Nascida em São Paulo, filha de mãe boliviana
e pai brasileiro, Andreia foi levada pela mãe para o país de origem do dia para
a noite. “Para ele foi chocante, ele estava viajando e quando chegou, achou
tudo vazio”, conta sobre o pai. À época, a menina tinha 2 anos de idade. A
troca de documentos e o registro na Bolívia foi feito para que o pai nunca
pudesse localizar a menina.
“Toda a minha vida eu nunca soube quem era
ele”, descreve. Um dia, olhando fotos no álbum de infância, entre os 6 e 7
anos, Andreia viu um homem, estranhou e perguntou quem era. “Ela falou que era
o meu pai. Disse o nome dele e mais nada...”
Há quatro anos Andreia entrou em contato com
a ONG brasileira “Gente buscando gente”. “Eu só tinha o nome completo dele
‘Adauto Marcelino da Silva’, não tinha noção da idade e só sabia que ele
trabalhava com refrigeração, geladeira”, conta. Foram dois anos de procura da
ONG pelo pai no Brasil e um tempo que parecia eterno de Andreia a espera de
notícias. Até que em 2013 houve o reencontro no palco do Programa do Ratinho.
“Quando eu o vi foi emocionante, eu fiquei
muito nervosa. Conheci irmãos, sobrinhos, a minha família”. De São Paulo, seu
Adauto, que hoje tem 68 anos, veio morar em Mato Grosso do Sul, a última cidade
é a que toda família vive, Terenos. “Era o meu sonho, dos meus filhos e do meu
marido, de morar no Brasil”, diz ela.
Andreia deixou a empresa de enxoval de bebê
que tinha no Chile, país onde vivia, para ser filha. “Meus irmãos, eles são a
minha cara. Igualzinho”, diz olhando as fotos.
Há dois anos aqui, o problema tem sido um só:
a burocracia da documentação. Com duas identidades, Andreia é brasileira, mas
no documento dos três filhos é a mãe boliviana. A crise de identidade
descoberta junto com a história de vida agora se estende aos filhos.
“Dificuldades para colocar os filhos na escola, de ser atendida no SUS...”,
explica.
No caminho da nacionalização dos filhos, ela
teve de fazer exame de DNA para comprovar, primeiro que era mãe do trio e
depois justificar a história que a trouxe aqui, de que era filho de Adauto.
"E cada vez me pedem outro documento na Justiça Federal. O Ministério
Público mandou matricular as crianças na escola, mas antes a Justiça queria
deixá-los num abrigo até eu provar que era mãe deles", narra.
A documentação do nascimento de Andreia no
hospital em São Paulo já veio e tudo mais o que pudesse ser exigido. "Não
sei mais o que eles podem pedir. Eu deixei toda a minha vida lá para começar de
novo. Eu nunca tive pai, faço isso por mim e pelos meus filhos, não acho justo
que eles também percam uma família".
A entrada com pedido de registro dos filhos
no Brasil tem a data de novembro de 2013. "Todo mundo estava muito
emocionado de chegar no Brasil, foi uma luta e ainda é".
*Do Jornal Campo Grande News.